Zoe Thorogood, Sylvia Plath e as atormentadas mentes criativas

Por Raquel S. Ramos

Sylvia Plath e  Zoe Thorogood


Recentemente fiz duas leituras muito diferentes entre si, mas que carregam muitos significados em comum: “É Solitário no Centro da Terra” (2022) e “A Redoma de Vidro” (1963). Mas o que uma HQ contemporânea tem tanto a ver com um romance da década de 60? — Você pode se perguntar. E é sobre isso que eu vou falar, porque é sobre isso que eu não paro de pensar.

Uma mulher jovem, se dedicando a uma carreira criativa e começando a ver frutos desta dedicação, não consegue viver plenamente os pequenos sucessos da vida, pois se vê atormentada por sucessivos pensamentos autodestrutivos e suicidas. Os prazeres vão progressivamente minguando e até grandes sonhos parecem não fazer mais tanto sentido. Este breve texto descreve ambas as obras, e é impossível não ficar minimamente reflexiva sobre a depressão em mentes criativas depois de lê-las quase que em sequência.



A Redoma de Vidro, publicado pelo selo Biblioteca Azul (Globo), e É Solitário no Centro da Terra, publicado pela Conrad.


Em “É Solitário no Centro da Terra”, Zoe Thorogood faz um relato autobiográfico com o nível de licença poética que a linguagem visual possibilita: desde os debates entre as diversas versões dela mesma até as muitas experimentações estéticas que dão o tom da narrativa. Nada é tão simples e linear quanto parece, afinal, estamos acompanhando de perto os delírios de uma mente cheia de conflitos e dores. O título da obra remete a este constante sentimento de solidão, e a sensação de estar sob enorme pressão (esteja claro que a pressão no centro da terra é mais de um milhão de vezes maior que a pressão do ar) a ponto de se tornar difícil respirar. E sabe onde também é difícil de respirar? Sob uma redoma de vidro.

Em seu único romance, Sylvia Plath utiliza de uma linguagem fluida e poética para desenvolver uma narrativa de autoficção. Nomes, datas e sequências cronológicas são trocados de lugar para que, através da vida da protagonista Esther Greenwood, a autora conte sua própria história. Assim como Zoe Thorogood, Esther (Sylvia) se sente uma estranha, deslocada, sem sentido, sufocada. E como é solitário na redoma de vidro!

Em 1999, Bell Hooks publicou “Tudo sobre o amor: Novas Perspectivas”, que também foi uma leitura relativamente recente para mim. Um capítulo em específico me chamou muita atenção, e é aquele em que ela fala de amor próprio. Em seu texto, Bell Hooks traça uma relação entre este amor e o trabalho, e fala sobre como é difícil se amar quando odiamos a nossa vida profissional. Entendi que não é raro que pessoas se dediquem arduamente, ao ponto de adoecer, a um trabalho péssimo, em busca de um reconhecimento que supra essa ausência de amor próprio. Não precisa nem falar o quanto isso mata a saúde mental de qualquer um. Lendo sobre isso talvez fique fácil acreditar na frase manjada atribuída a Confúcio que diz: “Trabalhe com o que você ama e nunca mais precisará trabalhar na vida.” Mas Zoe Thorogood e Sylvia Plath são vozes que te pedem pra ir com calma antes de pensar assim.

Zoe e Sylvia são as provas que para uma mente depressiva vale demais o meme que diz: “Trabalhe com o que ama e nunca mais amará nada.” Bom, talvez eu esteja exagerando, visto que ambas as autoras seguiram gostando e até encontrando refúgio na escrita e no desenho. Mas o fato é que, quando se convive com a depressão, nada garante que trabalhar com o que ama terá todo esse poder transformador de cura. A questão é que quanto mais deprimidos ficamos, menos as coisas que a gente ama fazem sentido e nos dão prazer. Para nós que trabalhamos com criação, por mais que a gente tenha a possibilidade de canalizar nossos sentimentos ruins em nossas obras, só isso não é o bastante.


Arte de  Zoe Thorogood


Espero que eu esteja sendo clara: não é sobre interromper a busca por um trabalho que você realmente ama e que te deixa realizado, é sobre entender que trabalho não é remédio. Se dedicar a um trabalho que você ama em busca de uma cura dos problemas psicológicos, é tão prejudicial e tão falta de amor próprio, quanto se dedicar ao que você odeia. É muito fácil cair na armadilha de pensar que se eu pintar vinte telas sobre minha depressão, isso vai me encaminhar para a cura, afinal de contas, é isso que eu amo fazer. Porém, amor não é solução quando o problema é uma doença. Doenças se tratam e curam com cuidados médicos.

Zoe Thorogood e sua HQ, Sylvia Plath e seu romance, eu e minhas supostas vinte telas… Nenhuma de nós está errada em descobrir uma forma criativa de conversar sobre nossa doença. Me pego pensando, porém, que se Sylvia Plath tivesse, para além de seu trabalho criativo, acesso a um tratamento decente e uma boa rede de apoio, talvez ela tivesse sobrevivido à depressão.



Arte de Raquel S. Ramos



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