LITERATURA POR MULHERES E O USO DE PSEUDÔNIMOS MASCULINOS

Luisa Geisler | Foto: Revista TPM/Trip

Por Joelle Santos e Magdiel Araujo

Nos séculos anteriores, uma mulher desempenhar um papel além do ofício doméstico era uma atitude impensável e, caso praticada, rechaçada pelos membros da sociedade. Entretanto, algumas mulheres ousaram exercer funções que iam além do que cabiam a elas, como por exemplo, escrever um livro. Para tanto, foi preciso pagar um preço: algumas tiveram de adotar pseudônimos masculinos para que os seus livros pudessem ser publicados e não sofrer com o julgamento de seus conhecidos. Visto que não poderiam revelar suas identidades, permaneceram sem o devido reconhecimento por seu trabalho.

Com o objetivo de visibilizar tais autoras, principalmente dos séculos XVII ao XIX, o projeto Original Writers da companhia estadunidense HP recriou as capas dos livros lançados por elas, com o objetivo de corrigir essa injustiça histórica, com os seus nomes verdadeiros na capa. Contudo, apesar de esperar-se que esse fenômeno ficasse exclusivamente nos séculos previamente mencionados, ainda podemos encontrar autoras do final do século XX até hoje que, ainda que não forçadas, adotaram pseudônimos masculinos por motivos semelhantes às autoras dos séculos passados. Este artigo explora a vida dessas autoras, com o objetivo de analisar o por quê da adoção de tais pseudônimos e o seu efeito no mercado literário. É exclusivamente por razões sexistas? Que expectativas nós leitores geramos sobre um livro ao ver que foi escrito por uma mulher?

Como meta, pretendemos reconhecer o trabalho dessas autoras, valorizar o ato de coragem tomado por elas ao não se limitarem ao agir conforme esperado pela sociedade e chamar a atenção para a restrição do papel feminino que perdura em algumas partes do globo até hoje, frisando a importância de quebrar estereótipos acerca da literatura produzida por mulheres, que é tão significante quanto a literatura escrita por homens. Para a produção deste artigo e explanação das problemáticas aqui realizadas, analisaremos dados da participação das mulheres no mercado literário mundial, opiniões de especialistas da área, artigos científicos e jornalísticos.


O PAPEL FEMININO NA INGLATERRA DO SÉCULO XIX
No início dos anos 1800 na Inglaterra, a vida de uma mulher era de muitas obrigações e poucas escolhas, chegando a ser comparada à escravidão por alguns historiadores. Suas vidas estavam sob o controle dos homens presentes em seus círculos familiares: primeiramente pelos pais, irmãos, algum outro parente do sexo masculino e por fim, seus maridos. As mulheres deste período tinham como único propósito encontrar um marido, ter filhos e servi-lo. 

A maioria das mulheres pertenciam à classe trabalhadora e eram predominantes no serviço doméstico. De acordo com o autor Steven Cowen, dentro dessa classe social, as ocupações eram amplamente diversificadas, algumas exigindo certo nível de habilidade, como cozinheiras, serviçais, costureiras, donas de casa, babás e assim por diante (COWEN, 2012, p. 107, tradução nossa). Não era lhes permitido que fossem à universidade. Era esperado das mulheres dessa classe que cumprissem três papéis: o de mãe, dona de casa e trabalhadora (HUYSMAN, sem ano, tradução nossa). Ao passo que era exigido que essas mulheres exercessem tal papel, elas não possuíam o mesmo status social que um homem e eram objetos de desaprovação, devido ao irritamento e afronta ocasionados por sua presença (BARRET-DUCROCQ, 1989, p. 10, tradução nossa). “Vadiar pela rua (...), ficando fora por muito tempo e sem uma missão era enxergado como algo não natural, visto que os afazeres femininos estavam firmemente centrados no mundo interior, dentro de casa.” (BARRET-DUCROCQ, 1989, p. 10, tradução nossa).

Mesmo as mulheres da alta sociedade sofriam com as restrições de papéis. As jovens poderiam frequentar internatos, todavia, apesar de ser um ambiente supostamente escolar, ao fim do século XVI, assuntos acadêmicos perderam espaço para atividades que exigiam maior destreza, como música e bordado (LAMBERT, online, sem data e sem paginação). Tais atividades eram pré-requisitos para uma mulher que estivesse à procura de um marido e ser uma boa dona de casa, o único estilo de vida possível para a época.


DOS SÉCULOS XIX AO XXI: HISTÓRIAS DA ADOÇÃO DE PSEUDÔNIMO MASCULINO OU ANDRÓGINO POR ESCRITORAS MULHERES
As irmãs Charlotte, Emily e Anne Brontë são figuras importantíssimas no cenário da literatura inglesa. As três moças escreveram livros no século XIX que marcaram história e até hoje fazem sucesso e são objetos de estudo, vide Jane Eyre, O Morro dos Ventos Uivantes e Agnes Grey. Todavia, elas se viram forçadas a desafiar e quebrar as morais da Era Vitoriana para poder atingir os seus objetivos e conseguir publicar seus livros. Principalmente Charlotte, a mais ambiciosa das três irmãs e que aspirava a ser reconhecida como uma grande autora. 

Charlotte, aos 21 anos, inspirada pelo irmão que escreveu uma carta para William Wordsworth sobre suas habilidades literárias, também escreveu para Robert Southey, assinando seu próprio nome ao final da carta, pedindo sua opinião a respeito do trabalho dela. Southey não foi a melhor escolha de Charlotte, pois, apesar de reconhecer o seu talento, afirmou que “A literatura não pode ser parte da vida de uma mulher e não deverá ser”. Apesar da resposta negativa de Southey, ela não se permitiu abalar com a situação.

Por insistência de Charlotte, as irmãs Brontë publicaram por conta própria um livro de poemas sob os pseudônimos de Currer, Ellis e Acton Bell, cada um com a inicial de seus verdadeiros nomes. Anos depois, Charlotte contaria em detalhes na edição conjunta de O Morro dos Ventos Uivantes e Agnes Grey, publicada postumamente, a razão da adoção de pseudônimos por ela e suas irmãs:
Averse to personal publicity, we veiled our own names under those of Currer, Ellis, and Acton Bell; the ambiguous choice being dictated by a sort of conscientious scruple at assuming Christian names positively masculine, while we did not like to declare ourselves women, because — without at that time suspecting that our mode of writing and thinking was not what is called "feminine" — we had a vague impression that authoresses are liable to be looked on with prejudice; we had noticed how critics sometimes use for their chastisement the weapon of personality, and for their reward, a flattery, which is not true praise. (BRONTË, 1850, p. 10)
Aversas à publicidade pessoal, cobrimos os nossos próprios nomes sob os de Currer, Ellis e Acton Bell; a escolha ambígua foi ditada por uma espécie de escrúpulo de consciência em assumir nomes cristãos positivamente masculinos, enquanto, por outro lado, não queríamos nos assumir como mulheres, pois — sem suspeitarmos, na época, que nosso jeito de escrever e pensar não era o que se costuma chamar de “feminino” — tínhamos a vaga impressão de que autoras estavam sujeitas a olhares preconceituosos; havíamos notado o quanto os críticos costumavam castigá-las usando a arma da identidade sexual, ou recompensá-las com a bajulação, que não é um elogio verdadeiro.
(tradução por Adriana Lisboa)
Surpreendentemente, em 1847, todas as irmãs Brontë conseguiram o feito de terem seus livros publicados. Apesar de debilitada por conta de uma periodontite, Charlotte teve seu livro publicado na editora Smith, Elder & Company em Londres, ainda sob o pseudônimo de Currer Bell. A editora ficaria depois conhecida por ser a casa de outros grandes autores, tais como Elizabeth Gaskell, Matthew Arnold, George Eliot (curiosamente, outra autora sob pseudônimo masculino), William Thackeray e outros. Jane Eyre foi um grande sucesso, tanto de crítica como comercialmente, destacando-se das outras publicações das irmãs Brontë.

Enquanto que alguns críticos acreditavam que Currer Bell era uma mulher, outros afirmavam veementemente que a obra foi escrita por um homem pois era boa demais para ter sido escrita por alguém do sexo feminino. Um crítico chegou a declarar que: “Não é a escrita de uma mulher. Embora as mulheres tenham escrito romances históricos, sobre viagens e guerras (...), nenhuma mulher poderia ter escrito Jane Eyre.” Após a revelação de sua identidade, George Lewes, o maior apoiador de Charlotte, passou a diminuí-la e reduziu suas críticas a questão de gênero, a contragosto da autora.

As Irmãs Brontë | Pintura por Patrick Branwell Brontë

Na França, também do século XIX, Amandine Dupin tornou o seu amor por devaneios e contação de histórias em obsessão após as mortes de seu pai e irmão. O que antes costumava ser o seu refúgio para o tédio, passou a ser uma necessidade. Entretanto, deixou a literatura de lado brevemente, ao ser forçada pela avó para entrar em um convento e durante o seu casamento com o filho de barão Casimir Dudevant, com quem teve um casal de filhos. Tanto Amandine quanto Casemiro possuíam casos dentro do casamento, com destaque para Jules Sandeau, um escritor de dezenove anos que teve grande influência na vida de Amandine, ainda que o romance tenha durado por pouco tempo. Ele ajudou Amandine a encontrar a sua vocação para escritora, tanto que a primeira sílaba de seu sobrenome tornou-se o sobrenome do pseudônimo dela, George Sand.

Em 1831, Amandine decidiu seguir o seu desejo de tornar-se uma escritora e mudou-se para Paris com sua filha caçula. Ela estava confiante de que sua carreira como escritora era a que certamente onde seria bem sucedida, mas as pessoas ao seu redor duvidavam que ela poderia escrever e receber bem financeiramente, enquanto mulher. Após uma breve carreira de farmacêutica e tradutora, conseguiu um emprego como colunista no jornal Le Figaro, tornando-se a única mulher trabalhando na equipe do jornal.

Ainda confiante em sua carreira como escritora, Amandine procurou um autor para saber a respeito do mercado literário parisiense, de quem ouviu uma sonora resposta negativa, alegando que mulheres não deveriam escrever, tal qual as irmãs Brontë também ouviram. Mas Amandine não desistiu, pelo contrário: a resposta negativa deixou-lhe ainda mais determinada.

Dupin continuou a fazer parte do círculo social, introduzida por Jules Sandeau, onde frequentemente encontrava-se com renomados autores que viriam a ser seus amigos, tais como Baudelaire, Turgenev, Zola, Dumas, Henry James, Dumas e Flaubert. Conjuntamente a Sandeau, Dupin publicou seu primeiro livro, Rose et Blanche. O livro teve críticas divididas, porém um certo sucesso na França, o que deu confiança para Dupin publicar um livro inteiramente sozinha.

No ano de 1832, Amandine Dupin publicou Indiana, sob o pseudônimo de George Sand, um romance semi-autobiográfico em que denunciava casamentos de maneira aberta e que de acordo com ela, dificilmente agradaria a todos. Para a sua surpresa, o livro recebeu notoriedade internacional e tornou-se um best-seller, sendo elogiado até por Victor Hugo, que tornaria-se seu rival na briga do título de autor mais vendido da França. O nome George Sand a acompanharia pelo resto da vida, indo além de um mero pseudônimo e transfigurando-se em sua identidade. Dupin recebeu muitos elogios eufóricos de críticos em nome de “Sr. G. Sand”, mas ela insistia que a obra obteve ajuda feminina nos aspectos mais sentimentais, deixando-os perdidos, pois “o estilo e discriminação da obra eram viris demais para não ser de um homem.”

Sand também foi revolucionária em outros aspectos além da literatura. Sua identidade tornou-se um segredo aberto nos círculos sociais em que frequentava, para os quais iria trajada de calça — algo que só foi socialmente aceito após a Segunda Guerra Mundial, graças a Coco Chanel —, colete, jaqueta militar, gravata e chapéu, além de seu comportamento igualmente transgressivo, ao posicionar-se contra a monogamia e relacionar-se com outras pessoas ainda enquanto casada. Não realizava tais atos por rebeldia, mas simplesmente porque gostava. Ao mesmo tempo, produziu um número impressionante de romances, peças, entre outros.

Nos últimos anos de sua vida, encontrava-se transbordada de tristeza, já que muitos de seus amigos e amantes estavam mortos. Apesar de ter se tornado uma das mulheres mais populares e influentes da França do século XIX, sua reputação não perdurou por muito tempo após a sua morte. Suas inúmeras obras foram eclipsadas devido aos detalhes escandalosos de sua vida. Em comparação com os seus contemporâneos, suas obras são pouco conhecidas e lidas atualmente.

George Sand

No final do século XX, o cenário ainda se assemelha com o século anterior. Joanne Rowling, em 1997, escreve o primeiro livro da série que se popularizaria mundialmente, tornando-se a série de livros mais vendida de todos os tempos: Harry Potter. Dificilmente alguém não conhece a saga do menino que se descobre bruxo e descobre um mundo mágico. A cada lançamento de um novo livro da saga, recordes foram quebrados; todos os sete livros ganharam adaptação para o cinema e apesar de seu fim, a série continua extremamente popular, com novos projetos relacionados ao mundo bruxo sendo lançados anualmente.

Contudo, sua trajetória anterior à publicação de seu primeiro livro não foi fácil. Foi solicitado a Joanne que ela adotasse um novo nome para poder ser mais atrativo ao público infanto-juvenil masculino, um nome contendo duas iniciais e seu sobrenome. Ansiosa para a publicação de seu livro, Joanne aceitou a proposta da editora. Então, ela passou a ser J.K. Rowling, sendo conhecida dessa maneira até hoje. Ela justifica o por quê das iniciais em uma entrevista para Christiane Amanpour, na rede de televisão CNN em 2017:
Oh, because my publisher, who published Harry Potter, they said to me, we think this is a book that will appeal to boys and girls. And I said, oh, great. And they said, so could we use your initials? Because, basically they were trying to disguise my gender. And obviously, that lasted about three seconds, because -- which is wonderful. I'm certainly not complaining, but the book won an award and I got a big advance from America and I got a lot of publicity. So I was outed as a woman. (ROWLING, 2017)
Ah, porque a minha editora, quando publicou Harry Potter disse para mim “nós achamos que este é um livro que será atrativo para meninos e meninas”. E eu disse: “ótimo!”. Então eles perguntaram “então, poderíamos usar as suas iniciais?”. Porque eles basicamente queriam esconder o meu gênero. Obviamente, isso só durou cerca de três segundos, porque — é maravilhoso. Eu certamente não estou reclamando, mas o livro ganhou um prêmio e eu ganhei bastante reconhecimento nos Estados Unidos e também muita publicidade. Então eu fui desmascarada como sendo mulher. (ROWLING, 2017, tradução nossa)
Em 2012, Rowling publicou o livro Morte Súbita, o primeiro em cinco anos após o último livro da série Harry Potter. Devido à grande popularidade obtida por causa da série, J.K. Rowling tornou-se dona de uma reputação bastante sólida e dona de uma legião de fãs sedentos para a continuação da saga ou novas obras da autora. Com esse lançamento, gerou-se uma grande expectativa em torno do livro e surgiram inúmeras comparações (e também desapontamentos) com a saga do menino bruxo.

Então, ansiosa para voltar ao início da carreira como escritora em um novo gênero e trabalhar sem alarde da mídia e grandes expectativas e receber críticas imparciais, ela optou por adotar um pseudônimo, Robert Galbraith, como relata na seção de perguntas frequentes no portal do seu alter ego (ROWLING, online, sem data e sem paginação, tradução nossa). Quanto ao motivo do pseudônimo ser masculino, ela explica que: “Eu certamente queria deixar o meu lado escritora o mais longe possível de mim, então um pseudônimo masculino pareceu uma boa ideia. Isso não muda conscientemente a maneira a qual eu escrevo.” (ROWLING, online, sem data e sem paginação, tradução nossa).

O livro obteve um sucesso razoável nos três meses em que a identidade por trás de Robert Galbraith não foi revelada, vendendo cerca de oito mil cópias e duas ofertas de adaptação para a televisão. Após a descoberta, o livro foi para o topo de livros mais vendidos, vendendo aproximadamente dezoito mil cópias em apenas uma semana. O editor David Shelley, primeira pessoa a ler o livro ainda sem saber quem era a verdadeira autora, declarou que “jamais teria imaginado que uma mulher escreveu o livro.”, assim como a grande maioria dos críticos ao lerem obras escritas por mulheres sob um pseudônimo masculino.

J. K. Rowling | Foto: Dan Hallman


ANÁLISE DE DADOS SOBRE A MULHER NO MERCADO LITERÁRIO
Dados alarmantes são mostrados em uma pesquisa feita pelo Grupo de Estudos em Literatura brasileira Contemporânea, vinculado a Universidade de Brasília (UNB). Segundo a pesquisa, mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras entre 1965 e 2014 foram escritos por homens, 90% brancos, pelo menos metade do Rio de Janeiro ou São Paulo, 60% protagonizadas por homens, 80% brancos e 90% heterossexuais. Durante 49 anos, o mercado literário brasileiro foi dominado pelo mesmo grupo social.

Outra pesquisa, feita pela escritora Luisa Geisler (vencedora do Prêmio Sesc de Literatura) com 2.538 leitores, 50% declararam ler mais de 10 livros por ano, 36% de 4 a 10, e a maioria declarou que 1 a 2 dos livros lidos foram escritos por mulheres. Em 2012, uma pesquisa feita pelo Instituto Pró-Livro classificou como leitores 43% dos entrevistados homens e 57% das mulheres. Nesta mesma pesquisa, a mãe foi apontada como a segunda maior figura incentivadora de leitura, atrás de professores e à frente do pai.

Ainda em 2012, Regina Dalcastagné publicou o livro Literatura brasileira contemporânea — Um território contestado. A análise examinou 258 obras publicadas entre 1990 e 2004 pelas maiores editoras do setor – Companhia das Letras, Rocco e Record. De acordo com a sua pesquisa, 72,7% dos romances publicados foram escritos por homens; 93,9% dos autores são brancos; o local da narrativa é a metrópole em 82,6% dos casos; o contexto de 58,9% dos romances é a redemocratização, seguido da ditadura militar (21,7%). Além de o protagonista ser, na maior parte das vezes, representado como artista ou jornalista, os negros aparecem quase sempre como marginais e as mulheres, como donas-de-casa ou objetificadas sexualmente.

Em 2014, quatro autores, dentre eles duas mulheres, lançaram o livro guia Por que ler os contemporâneos? com o intuito de ser um contraponto aos diversos guias de leitura de livros clássicos. Dentre 101 autores recomendados, 14 eram mulheres. Era o mesmo ano em que foi criada o movimento #LeiaMulheres, inspirado pela jornalista britânica Joanna Wash (#ReadWomen2014), e o Clube da Leitura, iniciado em São Paulo e espalhado por vários estados do país, incentivando a leitura de autoras.

Segundo Luísa Geisler, uma grande maioria ler majoritariamente autores masculinos, forma uma visão de mundo a partir da metade da população. Um olhar limitado, que reforça um modelo machista que encaram o “homem” e a interpretação masculina como norma. Para Geisler, a escolha menor de autoras femininas (e personagens femininas) se dá em um preconceito de que existe “história de mulher” e “histórias” normais, sendo que as normais são para os homem. A autora reforça que nada disso é ensinado na escola, mas vamos aprendendo junto com o machismo estrutural do dia-a-dia, e incorporando que meninas podem ler livros com protagonistas masculinos, enquanto meninos não devem fazer isso. Mulheres podem assistir filmes protagonizados por homens sem nenhum problema, enquanto os homens nem sempre. Não é algo proposital, mas que precisa ser encarado para tentarmos melhorar essa realidade. Fingir que não existe machismo é muito mais prejudicial do que aceitar e tentar mudar. Existe também um gênero chamado “chick lit” (termo pejorativo de literatura para mulheres), que é sobre mulheres e para mulheres. No entanto, o inverso não acontece. Os livros escritos por homens são lidos pelos dois gêneros. A autora acredita ser é a maior barreira a vencer é a neutralidade.

Geisler ganhou o Prêmio Sesc de Literatura, aos 19 anos, com um livro escrito sob pseudônimo masculino. E afirma que escrever sempre é um ato político, mesmo que a autora (ou autor) não tenha essa intenção. Regina Dalcastagne, pesquisadora do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, comenta em sua pesquisa o fato de se falar sobre literatura negra, literatura feminina, mas não se falar de literatura masculina ou literatura branca. Pois não se tem texto totalmente universal a ser adjetivado.

É observado, pela Regina e pela também pesquisadora Jéssica Balbino, pesquisadora de literatura feita nas periferias brasileiras e editora de publicações independentes, a importância da criação de editoras e selos independentes, que muitas vezes surgem para dar vazão a demanda que fica reprimida das grandes editoras e conseguir chegar a grandes livrarias. Jéssica cita Maria Valéria Rezende e Ana Miranda como exemplos de escritoras conceituadas na literatura brasileira com obras “excepcionais” publicadas nesses últimos 49 anos – período de abrangência da pesquisa – de publicações volumosas feitas por homens. E lembra que muitas vezes nos prendemos a literatura mainstream e a que está exposta na vitrine da livraria, enquanto exista uma literatura tão plural, efervescente e grande sendo feita do início dos anos 2000 para cá, e também que tem descoberto tantos outros autores, tanto homens como mulheres.

Luisa Geisler | Foto: Conexão Cidade

Com o intuito de denunciar a disparidade entre publicações de livros entre homens e mulheres, a organização sem fins lucrativos VIDA: Women in Literary Arts (Mulheres nas Artes Literárias, em tradução livre) lança anualmente, desde 2010, estatísticas contendo os números de livros publicados e resenhados em grandes jornais e/ou revistas literárias, separando por gênero. De acordo com os dados de 2017, de quinze revistas e/ou jornais com seções sobre literatura, apenas duas publicaram 50% ou mais sobre mulheres: Granta (53,5%) e Poetry (50%). A maioria (oito de quinze revistas e/ou jornais) não conseguiram publicar críticas suficientes sobre obras escritas por mulheres, não atingindo nem 40%: Boston Review (37.8%), London Review of Books (26.9%), The New Yorker (39.7%), The Atlantic (36.5%), The Nation (36.5%), The Threepenny Review (32.7%), e The Times Literary Supplement (35.9%). As outras cinco se manteram entre 40% a 49,9% (VIDA, online, sem data e sem paginação). O The New York Review of Books teve o pior número de 2017: apenas 23,3% das publicações são sobre escritoras mulheres. Através desses dados, podemos verificar que além da dificuldade para a inserção da mulher no mercado literário, também há pouca divulgação e reconhecimento de seus trabalhos.

Em uma postagem publicada no blog Jezebel sob o título “Homme de Plume: What I Learned Sending Out My Novel Out Under a Male Name” (“Homme de Plume: O que eu aprendi ao enviar meu livro sob um pseudônimo masculino”, em tradução livre) em 2015, a escritora Catherine Nichols relata a sua experiência como mulher no mercado literário e o preconceito sofrido por parte dos editores.

Ao receber resposta de apenas duas editoras de cinquenta para as quais teria enviado uma parte de seu manuscrito, Catherine decidiu fazer um experimento e enviou o mesmo manuscrito, com a mesma carta de abertura e para as mesmas editoras, porém sob um pseudônimo masculino. O resultado foi surpreendente: o seu alônimo obteve dezessete respostas, oito vezes e meio a mais de respostas em relação a Catherine Nichols. 

Enquanto que Catherine, rejeitada pelas únicas duas editoras das quais recebeu uma resposta, sob os argumentos de “ótima escrita, mas a sua personagem principal não é muito valente, não é?”, o seu alter ego recebeu uma resposta positiva de um editor, informando que estava encantado e também solicitando que enviasse o manuscrito por completo. Dentro de 24 horas, obteve mais cinco respostas. De acordo com Catherine, até mesmo as cartas de rejeição para seu alter ego foram mais educadas e acolhedoras. As mensagens incluíam elogios a respeito de seu trabalho e críticas construtivas, ao contrário das cartas destinadas a Catherine.

Catherine chama a atenção também que provavelmente o seu livro seria classificado como “ficção feminina”, algo visto com maus olhos quando é uma mulher quem escreve, diferentemente de um homem, pois não espera-se que ele escreva do ponto de vista de uma mulher.

Catherine Nichols | Foto: Triangle House Review


CONSIDERAÇÕES FINAIS
O papel da mulher sempre foi algo imposto pela sociedade e não de própria escolha. Desde os séculos anteriores, a mulher sofre preconceito e repressão caso não exerça funções domésticas ou prefira cumprir tarefas designadas a homens. Escrever livros é uma delas. Por receio da rejeição que poderiam vir a sofrer de várias esferas sociais, várias mulheres optaram pelo uso de pseudônimos masculinos, muitas para facilitar a entrada no mercado literário, outras por motivos diferentes. Mas o que é certo, é que a possibilidade de serem lidas caso não tivessem adotado esses pseudônimos seria muito baixa. 

Por isso é importante pesquisas na área para provar essa ausência e invisibilidade de mulheres, e movimentos que incentivam a leitura e divulgação de livros escritos por mulheres. Como o caso do projeto Original Writers, da HP, criada com o intuito de permitir que os leitores colocassem novas capas para os livros que mulheres publicaram com pseudônimos masculinos, agora com seu verdadeiro nome, sobre os antigos livros. Entretanto, é preciso entender que esse ato poderia não ser agradável para todas. Pois como foi abordado neste artigo, nem todas usaram pseudônimos por repressão, como George Sand, que não adotou um pseudônimo, mas uma nova identidade para si, ou como no caso da J.K. Rowling, que inicialmente adotou o pseudônimo por razões sexistas, mas depois por escolha própria. Também foi possível notar que além da dificuldade na inserção no meio literário, as mulheres não vêem suas obras resenhadas e reconhecidas pelos meios principais de divulgação, que acabam optando por obras escritas por homens.

Este artigo teve como objetivo ilustrar a vida das mulheres que adotaram pseudônimos e marcaram a literatura mundial. É importante que as pessoas saibam que esses livros foram escritos por mulheres, adquirindo conhecimento acerca de sua importância, luta, e legado. Todas as autoras mencionadas neste artigo, enquanto vivas, tiveram que ouvir em algum momento de suas vidas que suas obras eram boas demais para terem sido escritas por mulheres. A desconstrução a ideia de que mulheres estão restritas ao gênero de romance romântico foi algo que almejamos, assim como nos posicionar contra a separação de gêneros literários de acordo com o sexo do autor. Esperamos que esse artigo abra espaço para novas pesquisas a respeito do assunto, denunciando a desigualdade entre gêneros no mercado literário. Acreditamos que as mulheres são capazes de escrever livros de qualquer gênero de maneira qualificada e torcemos para que um dia esse cenário venha a mudar.




REFERÊNCIAS

BARRET-DUCROCQ, Françoise. Love in the Time of Victoria: Sexuality and Desire Among Working-Class Men and Women in 19th Century London. Paris: Plon, 1989.

BRONTË, Emily. O Morro dos Ventos Uivantes: edição comentada. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

CIURARU, Carmela. Nom de Plume: A (Secret) History of Pseudonyms. New York: Harper Collins, 2011.

COSTA, Camila. As escritoras que tiveram de usar pseudônimos masculinos – e agora serão lidas com seus nomes verdadeiros. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-43592400>. Acesso em 15 abr. 2018.

COSTA, Isabel. Mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras entre 1965 e 2014 foram escritos por homens. Disponível em: <http://blogs.opovo.com.br/leiturasdabel/2017/11/30/homens-e-brancos-tem-maior-fatia-no-mercado-editorial-desde-1965/>. Acesso em 20 jun. 2018.

COWAN, Steven. The growth of public literacy in eighteenth-century England. 2012. Tese (Doutorado em Filosofia) — Institute of Education, University of London. 

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HUYSMAN, AnnMarie. Women, Economic Instability, and Poverty in London During the Nineteenth Century. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/34d7/18413d3277e662dd81754376a4b2f51a14da.pdf>. Acesso em 26 maio 2018.

LAMBERT, Tim. A Brief History of Women. Disponível em: <http://www.localhistories.org/womenhistory.html>. Acesso em 26 maio 2018.

MASINA, Léo et al. Por que ler os contemporâneos? Porto Alegre: Dublinense, 2014. 

NICHOLS, Catherine. Homme de Plume: What I Learned Sending My Novel Out Under a Male Name. Disponível em: <https://jezebel.com/homme-de-plume-what-i-learned-sending-my-novel-out-und-1720637627>. Acesso em 18 jun. 2018. 

PÉCORA, Luísa. Mulheres têm menos espaço na literatura, mas leem mais e dominam prêmios. Disponível em <http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/livros/2014-05-24/mulheres-tem-menos-espaco-na-literatura-mas-leem-mais-e-dominam-premios.html>. Acesso em 20 jun. 2018.

ROBERT GALBRAITH. Robert Galbraith: about. Disponível em: <https://robert-galbraith.com/about/> Acesso em 20 jun. 2018.

ROSA, Ana Beatriz. #LeiaMulheres: Como o mercado editorial perpetua a desigualdade de gênero na literatura. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2016/07/04/leiamulheres-como-o-mercado-editorial-perpetua-a-desigualdade_a_21686017/> . Acesso em 20 jun. 2018.

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