LINGUÍSTICA | Linguagem e Sexo, por Malcolm Coulthard

Malcolm Coulthard


Por Joelle Santos, Juliana Pedrosa e Magdiel Araujo

Esse texto teve como objetivo analisar a obra Linguagem e Sexo (1991), por Malcolm Coulthard e discutir as principais diferenças na linguagem entre homens e mulheres. O livro, sobretudo, tem como base estudos feministas, pois o próprio autor ao longo do texto ressalva que há poucas pesquisas na área. Hoje, apesar de o cenário no meio acadêmico ser diferente — há várias pesquisas no ramo —, o livro ainda é referência na área por ser um dos primeiros e, surpreendentemente, manter-se atual na maioria dos aspectos. Para corroborar com os argumentos trazidos pelo autor, apresentamos pesquisas recentes realizadas em outros países e a explicação de termos criados recentemente para designar atitudes já mencionadas neste livro há vinte e sete anos.

O livro inicia com o seguinte questionamento: há dialetos de homens e de mulheres? Ao longo do livro, somos apresentados diversos argumentos que nos levam a pensar a respeito, desde a diferença fonológica à sociocultural. Através dos tópicos, tentamos responder a essa pergunta.


 Sobre o livro

O primeiro capítulo do livro aborda as diferenças de gêneros do viés fonológico. O autor aborda desde aspectos biológicos a culturais, por exemplo. Nos aspectos biológicos, encontramos as distinções do tamanho e comprimento das cordas vocais e de que forma esses fatores contribuem para a distinção entre vozes masculinas e femininas. Tradicionalmente, as vozes finas e agudas são associadas às mulheres. Todavia, o autor traz como a questão cultural pode também influenciar na faixa de voz selecionada para falar e dá como exemplo os japoneses, que podem soar bastante alto para os ocidentais. Em seguida, um tópico sobre sotaques masculino e feminino se inicia e levanta o questionamento se realmente os sotaques variam de acordo com o gênero. Remetendo a Lakoff, o autor afirma a predileção dos dialetologistas em não entrevistar por mulheres por acreditar que elas não seriam objetos confiáveis de estudo, visto que: 1. as mulheres valorizam a forma prestigiada da língua (change from above); 2. são mais inovadoras (change from below).

No capítulo sobre vocabulário, podemos verificar a diferença de léxico entre as línguas. Por exemplo, uma língua pode apresentar várias palavras para descrever algo enquanto que outra língua, pode ser definido através de uma única palavra. Em uma língua, pode ter três formas de diferenciar o masculino do feminino: pode usar duas palavras completamente diferentes para o masculino e feminino, tais como “pai” e “mãe”; pode ser por palavras diferentes, mas relacionadas, como “filho” e “filha” e por último, a opção neutra, ou seja, equivalente para os dois gêneros, como “criança”. No português brasileiro, há um favoritismo pela segunda forma de distinção. Ainda estudando o léxico das línguas, comprovou-se que há mais palavras para depreciar as mulheres do que elogiá-las. Da mesma forma que outros estudos sugerem que palavras de conotação feminina são associadas a ruim e ou/ deplorável enquanto que para o lado masculino, há uma associação a bom e/ou admirável. Ao dar explicações, cada gênero faz analogia de acordo com os seus hábitos: os homens tendem a explicar as coisas fazendo analogia com coisas de sua preferência, como por exemplo, futebol.

Ao examinar a gramática, o quarto capítulo busca investigar, principalmente, se homens e mulheres fazem escolhas diferentes e se a própria gramática leva em consideração a distinção entre“sexos” no mundo.

À princípio, é colocado em pauta que em algumas línguas, o gênero gramatical não tem nenhuma relação com o “sexo” do referente (como, por exemplo, no alemão, que a palavra que corresponde a “garota” é classificada como neutra). Mas depois nos é afirmado que esse sistema levanta questões sociopolíticas sérias, principalmente em relação ao português, cuja categorização de gênero é um tanto mais dependente do “sexo” do referencial no mundo.

Um dos problemas apresentados é o de como se referir a um grupo misto constituído de membros de ambos os gêneros. Nos deparamos então com a primazia do gênero masculino no português brasileiro. Se estamos em uma sala com 11 alunas e um aluno, é adequado para a norma padrão, referir-nos a eles como “alunos” e não “alunas”; o masculino, assim, dando uma ideia generalista e de inclusão, já o feminino, dando uma ideia particularista e de exclusão.

Foi apresentado, então, que em muitas línguas, o masculino era apresentado como a forma não-marcada, ou seja, a forma mais comum a ser empregada. Um exemplo claro é o do “pais” e “mães”. O primeiro, geralmente se refere a pai e mãe; já o segundo, é usado como duas mães, e não é inclusiva com o pai. Um caso especial que é mencionado é o de que a palavra “Homem”, em um sentido secundário, pode se relacionar com a ideia de “raça-humana”; já “mulher”, tem como sentido secundário “esposa”.

É citado no livro, a possibilidade de alguns falantes poderem adotar um sotaque distinto a fim de demonstrar solidariedade a um determinado grupo. Atualmente, algumas pessoas, geralmente na internet, usam o “x” ou o “@” no lugar da partícula de gênero, buscando neutralidade; ou seja, sem a primazia do masculino e a carga social e psicolinguística que acreditam trazer.

O capítulo sobre interação discute o famigerado estereótipo de que as mulheres falam mais do que os homens. Logo, vemos que é um argumento infundado pois de acordo com pesquisas trazidas pelo autor ao longo do texto, vemos que o que ocorre é justamente o oposto: os homens falam mais do que as mulheres em grupos mistos. Então, por que tal estereótipo? Um dos pontos apresentados é de que as mulheres participam de um número maior de conversas e/ou falam menos, mas do ponto de vista de outros membros de uma conversa, elas falam mais do que deveriam. Quanto ao estilo interativo conversacional, as mulheres tentam envolver as participantes menos ativas na conversa (que provavelmente não encontraram espaço para entrar na conversa), enquanto que os homens estabelecem uma hierarquia, dividindo-se entre dominantes (mais falantes) e submissos (menos falantes). Os tópicos das conversas são ditados pelos homens e eles acabam por rejeitar ou ignorar tópicos trazidos por mulheres para a conversa.

Como forma para valer-se dentro de uma conversa, as mulheres iniciam um argumento com “meu marido disse que…” como forma de buscar um argumento de autoridade; caso a ideia seja rejeitada, não é problema pois não é uma rejeição direta. Interessante dizer que o mesmo não ocorre no caso dos homens, que não utilizam a mulher como fator relevante em um argumento e caso a ideia seja aceita, defendem-as como se fossem suas. Atualmente, há um termo que explica esse fenômeno: bropriating. Esse termo é a junção das palavras brother (irmão) + appropriating (apropriação) e é quando um homem se apropria da mesma ideia já expressa por uma mulher, levando os créditos por ela (Think Olga, online).

Mais a frente, o autor apresenta a pesquisa de Zimmerman e West (1987), onde a dupla de pesquisadores realizou um experimento social ao analisar 31 conversas, sendo dez conversas apenas entre homens, dez conversas entre mulheres e onze conversas mistas. Os números são impressionantes: enquanto que em conversas com membros do mesmo sexo, há apenas sete interrupções e vinte e duas sobreposições (quando não há necessariamente uma interrupção, mas um aproveitamento do espaço deixado em uma conversa), em conversas mistas, os homens interromperam as mulheres 46 vezes, enquanto houve apenas duas interrupções do lado oposto. Este é o conceito de manterrupting (man + interrupting), quando um ou mais homens interrompem constantemente a fala das mulheres, impedindo-as de concluir o que estava sendo dito. Como exemplo recente de manterrupting, temos o caso da entrevista da Manuela d’Ávila para o programa de televisão Roda Viva, em período pré-eleitoral, em que ela foi interrompida 62 vezes, quase oito vezes mais que o outro candidato, Ciro Gomes. Não houve respeito ao direito de fala de Manuela.

Em conversas com um grupo misto, os homens tendem a ditar as pautas da conversa e rejeitam a contribuição das mulheres para a conversa. Tendo em vista essa rejeição de ideias, as mulheres tentam superar essa barreira fazendo perguntas como forma de tentar ter o controle sobre a conversa. A separação de grupos por gêneros em eventos sociais é algo bastante comum.

O movimento feminista, na década de 70, pesquisava a história e as possíveis causas da opressão contra as mulheres. O sexto capítulo nos apresenta que uma das áreas investigadas foi a língua: uma primeira corrente via a linguagem como história fossilizada, ou seja, reflexo da exploração das mulheres no passado; já outra via a linguagem como um meio de opressão, opressora em si mesma.

O autor, então, nos apresenta uma evidência da afirmação da primeira corrente de investigação. Muitas das palavras, tanto em inglês como em português, nós podemos notar que são derivadas (também podem ser consideradas formas marcadas) de palavras masculinas. Exemplos a serem pontuados são: “professor/professora”e “doutor/doutora”.

O segundo ponto, que foi desenvolvido em nossa análise, trata da linguagem continuar sendo um instrumento de opressão. Como foi citado, enquanto a palavra “Homem” tem um significado secundário grandioso, a palavra “mulher”, além do sexo feminino, um outro significado se atém a “esposa”. Foi observado também que algumas palavras e expressões no gênero masculino e feminino adquirem sentidos diferentes. Exemplo disso é: “homem público/mulher pública”. Na internet, também, ao pesquisarmos “bombeiro” e “bombeira”, imagens diferentes são veiculadas a esses nomes. O resultado da primeira pesquisa nos traz fotos de homens trabalhando como bombeiros. Já a segunda resulta em imagens de mulheres vestidas de fantasias sexuais de bombeiros. Isso pode ser considerado uma evidência de como as mulheres são vistas diferente dos homens e como a língua expressa isso e continua a reforçar a opressão.


 Artigos e pesquisas complementares

Ao final do capítulo sobre interação, Coulthard aborda a diferença de criação entre meninas e meninos. As meninas são criadas de forma a serem cooperativas, ao passo que os meninos são criados para serem competitivos entre si e dominantes. Não apenas isso, muitos pesquisadores acreditam que a maneira como os pais conversam sobre as emoções para com os seus filhos são diferentes a depender do gênero.

Em 2013, pesquisadores britânicos descobriram que as mães espanholas são mais suscetíveis a usar palavras a usar palavras ligadas às emoções e conversar sobre tópicos emotivos mais com as suas filhas do que com os seus filhos. Já no ano passado, uma pesquisa realizada pela Emory University relata que os pais cantam e sorriem mais para as suas filhas e utilizam uma linguagem mais “analítica”, enquanto que a interação com seus filhos resume-se a estimular a competição. Ironicamente, em 2014, um estudo canadense feito com mulheres universitárias descobriu que elas consideram mais atraentes homens que usam palavras e frases mais curtas e que falam menos. Essas pesquisas são de suma importância para o desenvolvimento da área da sociolinguística.


Considerações finais

É importante salientar que embora o livro tenha sido publicado há 27 anos aqui no Brasil, permanece atual (com exceção de algumas ideias por causa da mudança na sociedade ao longo do tempo) e que aborda pontos muito interessantes sobre como homens e mulheres são socializados de formas diferentes na sociedade e as suas consequências. A maior prova disso é que é possível encontrar pesquisas recentes que corroboram para os elementos abordados no livro.

Podemos também apontar como resultado das discussões apresentadas no livro (sobre se há uma linguagem feminina ou masculina) que há, atualmente, uma distinção na linguagem em relação ao sexo; tanto na fonologia, no vocabulário, na gramática e no campo interacional. Como foi mencionado, a língua é um reflexo do machismo e ainda é meio de opressão feminina. De acordo com o autor, “A linguagem é flexível e responde a necessidades” (COULTHARD, 1991). Essa afirmação nos reforça o que foi discorrido na maior parte do livro: que a linguagem é uma representação de relações sociais, e por ainda haver uma desigualdade de “sexos” principalmente em poder, seus representantes se expressam de maneiras diferentes, no geral. Somente com igualdade social será possível colocar homens e mulheres como usuários do mesmo estilo interativo de uma determinada língua.







Referências

COULTHARD, Malcolm. Linguagem e Sexo. São Paulo: Editora Ática, 1991.

REINER, Andrew. Talking to Boys the Way We Talk to Girls. The New York Times. Disponível em: ttps://www.nytimes.com/2017/06/15/well/family/talking-to-boys-the-way-we-talk-to-girls.htm
l>. Acesso em: 30 nov. 2018.

OSTERMANN, Ana Cristina; FONTANA, Beatriz. [organização] Linguagem. Gênero. Sexualidade: clássicos traduzidos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

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