EVENTOS DO NORDESTE PREFEREM ARTISTAS DO SUDESTE


📷 Rey Alves/Divulgação


O maior evento de cultura pop do Note e Nordeste, o SANA fest, convidou quadrinistas da região para participar de sua edição comemorativa de 25 anos. Porém, os artistas foram surpreendidos ao receberem a notícia de que sua participação estava cancelada. O motivo seria a redireção da verba para convite de artistas apenas da região Sudeste. Entenda o caso a seguir.


Imagem de divulgação oficial do evento SANA (Superamostra Nacional de Animes)


Foi-se o tempo em que quadrinho bom, “gibi massa”, “HQs indispensáveis”, eram sinônimos de obras gringas. Os quadrinhos nacionais, que semprem foram de alta qualidade, finalmente tem tido o devido reconhecimento nos últimos anos. O aumento de iniciativas independentes, organizações online, novas editoras, e eventos por todo país, tem dado cada vez mais espaço a nova era do quadrinho nacional. E se antes já era dificil para um quadrinista brasileiro ter reconhecimento, para nortistas e nordestinos, a restrição sempre foi maior. Então é com muito entusiasmo que a classe artística independente tem recebido essa nova onda, onde quadrinistas de várias partes do Brasil dividem os stands e palcos, recebendo a mesma relevância.

É o que achava Daniel Cesart ao ser convidado para o Sana Fest, o maior evento de cultura pop do Norte e Nordeste, que acontece no Ceará há 25 anos.


Daniel Cesart | Arquivo pessoal

Ilustrador baiano, Daniel Cesart é um dos grandes nomes dos quadrinhos contemporâneos. Reconhecido no mundo da nona arte, pela obra Estados Unidos da África, ao lado de Anderson Shon, e no mundo da internet, pelas tirinhas Cuscuz Surpresa, ao lado de Helo Dangelo. Formado em artes visuais, ele também co-criou espetáculos, participou de coletâneas, jogos, diagramou para outros grandes autores, e venceu prêmios como Rumos do Itaú, e Troféu HQMIX, conhecido como "o Oscar dos quadrinhos brasileiros".

É claro que com esse currículo, o merecido reconhecimento viria, e Daniel foi convidado a participar de vários eventos grandes, como bienais e feiras literárias. Mas todos esses méritos ainda não parecem ser o suficiente para quem não vem do eixo Sul e Sudeste. Nem mesmo nos maiores eventos de sua própria região.

Capa de “Estados Unidos da África” | Bebel Books

Pra quem é de fora, pode parecer que a onda de eventos "geek/nerd", começou com a CCXP, atual maior evento de cultura pop no país, com reconhecimento internacional. Mas antes dessa recente popularização, eventos como Anime Friends, de São Paulo, e o Sana Fest, do Ceará, dominavam o meio desde os anos 2000, onde os festivais eram conhecidos apenas como "evento de anime", pelo maior destaque dado a obras japonesas. Porém não se engane, mesmo antes da CCXP esses eventos vem numa crescente de público e orçamento, trazendo atrações internacionais e nomes consagrados da cultura pop. 

Estar como atração ao lado de atores, músicos, dubladores e artistas consagrados num geral, do Brasil e do mundo, tem sido um degrau importante na recente valorização dos quadrinhos nacionais e independentes, tanto no meio "geek/nerd", quanto na literatura e nas artes no geral. Então, para a edição de 25 anos do Sana Fest, o evento decidiu convidar Daniel Cesart.

Arquivo do artista | Whatsapp

 

"Gostariamos de trazer você ao evento como convidado, disponibilizando mesa para vendas e divulgação do seu trabalho dentro da Vila, assessoria durante todo o evento, translado entre aeroporto, hotel e Centro de Eventos, passagem e hospedagem para você e um acompanhante. Adoramos o seu trabalho e queria saber se você tem disponibilidade e interesse de participar. 😁"

Dizia a mensagem inteira, enviada no dia 6 de maio.

O autor respondeu que aceitava participar, e que sempre foi um desejo estar no Sana algum dia. Pediu mais informações e tudo foi confirmado, como hotel, passagens, acompanhantes, e que Daniel viria direto de Salvador. No dia 12 o artista perguntou novamente se estava tudo confirmado, e o representante respondeu que sim.

Arquivo do artista | Whatsapp


No dia 15 de maio, o representante informou que tinha péssimas notícias. Em uma reunião foi dito que o orçamento estava curto, e só conseguiriam levar artistas do sudeste. 

Esse texto que você lê, existe por Daniel não ter ficado calado e ter explanado o ocorrido e posto a cara a tapa. Pois não pense que foi um caso isolado. O relato dele se repetiu com outros artistas, que não quiseram divulgar seus nomes, mas que confirmam a prática. E não só pelo Sana desse ano, mas de outras ocasiões e também outros eventos. 

Segundo relatos anônimos, mesmo após o desconvite de Daniel, a organização procurou artistas do Sul. Esses artistas não tiveram agenda, e mesmo assim, outros artistas foram desconvidados para encaixar essas possíveis participações.


Resposta do Daniel | Arquivo do autor, Whatsapp

Confirma o vídeo de desabafo de Daniel Cesart no Instagram: https://www.instagram.com/p/DJunZSrJETG/


O paraibano Samuel de Goes, também quadrinista e ilustrador, recebeu o mesmo convite em 2020. A produção pediu orçamento para estadia e oferenceu mesa no Sana Fest. Devido a pandemia, o evento não aconteceu, porém Samuel não recebeu nenhum aviso a respeito, nenhum retorno, e nunca mais entraram em contato.

"Entendo perfeitamente que a pandemia mudou tudo, mas acho que pelo menos um e-mail informando as coisas, um retorno, é no mínimo um ato de educação e respeito com os artistas"

Diz Samuel ao relembrar o episódio.

Quadrinho Fibrilação, de Samuel de Goes. Vencedor do Troféu HQMIX 2020

Para quem não é convidado, o preço da participação no Sana Fest custa 200 reais por uma mesa de plástico sem quina, tamanho 70x70. Constantemente os participantes se queixam que não conseguem mesas melhores, e o artista não tem a opção de pagar para ter mais uma mesa.

Alguns ilustradores, que preferem se manter anônimos, relataram que na edição de janeiro, a organização cedeu mesas extras para alguns artistas, aleatoriamente, sem avisar a ninguém dessa possibilidade. Os participarantes também comentaram que já usavam a arrumação de mesa como parâmetro para escolha de artistas.

"Eu adoro o Sana e acho uma pena que ele tenha pessoas de mente tão pequena como líderes. Ele tem tudo pra ser um evento ainda maior e melhor do que já é."

Desabafou uma ilustradora.


Sana 2018 | Wikipedia

Situações como essa acontecem em áreas precárias, como o da arte, onde os trabalhadores são carentes de espaço e oportunidades. Isso se agrava pela falta de reclamação da parte de quem sofre. Os artistas tem medo de retaliação e perca de convites. Vivemos da esperança de que no futuro cheguem bons eventos, boas vitrines, e isso faz a gente engolir (e agradecer) as migalhas de promessas que esse meio nos dá. Migalhas essas que na verdade são apenas humilhações.

Os organizadores, donos, benfeitores, patrões e detentores do poder e das oportunidades, não vão parar de cometer essas práticas abusivas. Eles se sentem confortáveis em utilizar trabalhadores como meras peças de tabuleiro, pela certeza de que não irão reclamar e voltarão a se inscrever todos os anos. 

Em resumo, nada muda se ninguém reclamar. Enquanto ninguém apontar as opressões, e seguir correndo atrás das migalhas do opressor, a tendência é piorar.

Se você quer melhoras, seja no que for, tem que se expressar, e principalmente, se organizar.


Comentários

  1. Isso n tem cara de sana. Evento tem um super projeto de inclusão. Não creio. Deve ter ruído ai.

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    1. Rapaz te manca, quanto maior esse evento fica menos eles se importam pra porra de projetos de inclusão, eles se importam com chamar gente famosa pra mais gente ir e gastar dinheiro. Eles querem dinheiro não inclusão.

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  2. Amo o sana desde criança, sempre foi uma ansiedade esperar pelas ferias de julho porque eu sabia que junto delas tinha o sana. Como artista entrando pra industria agora é muito doloroso ver todas as cores vibrantes que eu via do sana se deteriorando por começar a ver por debaixo dos panos, tenho um parente que também sofreu muito no sana com essas ações excluentes de obras regionais. Eu não quero odiar o sana, afinal é o maior evento da minha queridissima cidade e região, mas se eles não mudarem logo essas práticas eles sabem que vão perder mais do que so uma fã.

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